Efeito Matilda: Quando o Gênero Apaga o Mérito
- Letícia Eça
- 8 de abr.
- 5 min de leitura
O mundo celebra avanços científicos como se fossem neutros. Mas, na prática, a Ciência ainda carrega uma dívida histórica: as mentes brilhantes de mulheres apagadas pelo machismo estrutural. Esse apagamento tem nome — Efeito Matilda — e continua silenciando descobertas que poderiam ter mudado o rumo da história.
Matilda Gage: a mulher que deu nome ao silêncio na Ciência
O Efeito Matilda é um fenômeno social que consiste na camuflagem das contribuições femininas para a Ciência. O termo em questão homenageia Matilda Joslyn Gage, líder do movimento sufragista durante o século XIX. Autointitulada como uma mulher “nascida com ódio pela opressão”, Matilda Gage dedicou sua vida à defesa dos movimentos abolicionistas e dos direitos dos nativos americanos.

Em seu ensaio “Women as an inventor” (A mulher enquanto inventora) publicado em 1883, Gage explora a constante omissão da participação feminina nas contribuições científicas. Ao mesmo tempo, a autora contesta o porquê das conquistas femininas não receberem o mesmo reconhecimento das masculinas.
Por que falar sobre o Efeito Matilda em 2025?
Atrás de grandes descobertas da Ciência, muitas vezes, há nomes apagados pela história. Em 1993, a historiadora Margaret Rossiter deu voz a esse apartamento ao cunhar o termo ‘Efeito Matilda’, o qual descreve a sistemática negação ou minimização das contribuições de pesquisadoras em favor de seus colegas homens. O Efeito Matilda é muito mais do que apenas uma nomenclatura: é uma forma de opressão histórica que segue negligenciando as contribuições das mulheres nas ciências. Assim, não só é destacado o problema da falta de reconhecimento, mas também um convite à reflexão das raízes dos problemas sociais causadores da marginalização que nos afetam.
Raízes do preconceito: quando a sociedade dita quem pode ser cientista
Uma teoria interessante para entender um pouco mais sobre as premissas do Efeito Matilda é a Teoria da Congruência de Papéis, uma teoria baseada no preconceito que enxerga uma incongruência entre o gênero feminino e posições de liderança, resultando em duas formas de preconceito:
Enxergar as mulheres de maneira desfavorável em comparação aos homens em posições de liderança.
Avaliar o comportamento que cumpre com as prescrições de um papel de líder de maneira desfavorável quando ocupado por mulheres.
O conceito vai além da teoria dos papéis sociais para considerar a congruência entre as funções coletivas e outras obrigações, como o papel do cientista, especificando fatores e processos que afetam a percepção congruente e as consequências dessas percepções e comportamentos. A estrutura proposta sugere que o preconceito contra as mulheres cientistas cresce a partir da dissonância entre o gênero feminino e o que é esperado dele segundo as convenções sociais.
Nomear é preciso. Nomear é direito.
O caso de Rosalind Franklin é um exemplo concreto do Efeito Matilda. Em 1950, a química britânica extraiu fibras de DNA para serem analisadas através da cristalografia de raios-x, e foi assim que surgiu a famosa Photo 51.

Por mais que tivesse feito uma descoberta que revolucionaria a Ciência, Franklin não obteve o devido reconhecimento. Na verdade, seus resultados foram utilizados por James Watson, Maurice Wilkins e Francis Crick, os quais foram premiados pelo Prêmio Nobel de Fisiologia em 1962 após a publicação de um artigo que não citava a química. O caso de Franklin não é uma exceção, mas sim um dos muitos casos de mulheres não creditadas por suas contribuições. Em uma ciência verdadeiramente equitativa, o mérito de cada descoberta deve ser atribuído a quem de fato merece.
Números que não se calam: o Efeito Matilda hoje
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), menos de 34% dos pesquisadores da atualidade são do sexo feminino e, apenas, 12% fazem parte de academias científicas no Brasil. A oficial de programas da UNESCO no Brasil, Mariana Braga, afirma: “A sub-representação de mulheres em posições de liderança em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) contribui para a falta de modelos a seguir.”
A socióloga Maria Elina Estébanez acredita que o preconceito e estereótipos ainda existem em nossa sociedade, visto que o pensamento de que as mulheres são menos competentes do que os homens quando o assunto é tomada de decisão persiste no conjunto social. Todas essas formas de rebaixamento social baseados em estereótipos enraizados em nossa cultura são evidências de que o Efeito Matilda continua persistente e resistente, se manifestando, principalmente, por meio da invisibilização das mulheres em espaços institucionais, como na esfera governamental ou em posições de autoridade.
Da invisibilidade ao protagonismo: a luta por reconhecimento
Como forma de incentivo a uma maior atuação feminina no ramo científico, foi criado, em 2015, o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. E o progresso nos últimos anos é notável. No Brasil, a participação feminina nas contribuições científicas subiu 29% desde 2002, de acordo com dados de um levantamento na base de dados da Scopus, a partir da ferramenta Elsevier.
Reconhecer o Efeito Matilda é o primeiro passo para reescrever a história da Ciência. Como leitores, estudantes e cidadãos, temos o dever de questionar as narrativas que apagaram grandes mulheres cientistas e garantir que as próximas gerações conheçam essas histórias — não para repeti-las, mas para transformá-las. Nomear é preciso. Nomear é direito. A ciência é universal e a história só será completa quando honrar todas as mentes que a construíram. Rosalind Franklin e tantas outras merecem mais do que reconhecimento póstumo — merecem um legado vivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
][1] EFEITO Matilda: o que é o fenômeno que afeta as mulheres na ciência. National Geographic , [S. l.], 8 mar. 2023. História. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2023/03/efeito-matilda-o-que-e-o-fenomeno-que-afeta-as-mulheres-na-ciencia . Acesso em: 21 dez. 2024.
[2] EFEITO Matilda. GPET Física - Unicentro , [S. l.], 30 abr. 2020. Disponível em: https://www3.unicentro.br/petfisica/2020/04/30/efeito-matilda/#:~:text=O%20termo%20%E2%80%9CEfeito%20Matilda%E2%80%9D%2C,n%C3%A3o%20terem%20genialidade%20para%20inven%C3%A7%C3%B5e s. Acesso em: 21 dez. 2024.
[3] LOBO , Leandro. Efeito Matilda. Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, [S. l.], 20 abr. 2023. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/artigo/efeito-matilda/ . Acesso em: 21 dez. 2024.
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[6] QUEM foi Rosalind Franklin, a química que descobriu a estrutura do DNA. Galileu , [S. l.], 16 abr. 2020. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2020/04/quem-foi-rosalind-franklin-quimica-que-descobriu-estrutura-do-dna.html . Acesso em: 21 dez. 2024
Imagens:
Schlesinger Library on the History of Women in America, 1871
Franklin & Gosling, Nature, 1953
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