Tanto o celular no seu bolso quanto a Smart TV na sua casa carregam algo poderoso. Descubra o que é a Internet das Coisas e as preocupações sociais que a envolvem.
Nos filmes futuristas, a tecnologia é sempre demonstrada com carros voadores, luzes com controle de voz, robôs autônomos, entre outros. Atualmente, apesar do acesso limitado, a maioria dessas tecnologias já existe, e essa ficção científica da vida real é possível pelo que chamamos de Internet das Coisas (com a sigla em inglês “IoT”).
Rede de conexão
Esse conceito criado em 1999 pelo pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Kevin Ashton define a capacidade de objetos físicos se conectarem à internet e entre si. Em outras palavras, a Internet das Coisas é o meio para que objetos físicos se interconectem em uma rede, possibilitando a coleta e transmissão de dados.
Para verificar o uso do IoT, portanto, não precisamos mergulhar em filmes de ficção científica. Um iPhone ou um dispositivo de smarthome (1) como Alexa ou Google Home são exemplos de IoT usados diariamente por inúmeras pessoas.
Seguindo esse exemplo, quando você usa a Alexa para controlar as luzes, o dispositivo precisa de uma conexão estável com a internet para processar o comando dado e comunicá-lo à lâmpada. A lâmpada, por sua vez, também depende de uma conexão à internet para receber a informação. Desse modo, a definição do termo "Internet das Coisas” se resume à capacidade dos objetos de se conectarem por meio da internet.
Todavia, mais do que apagar as luzes com a voz, essa tecnologia pode facilitar várias áreas da humanidade, pois melhora a velocidade de propagação de dados. Globalmente, esse recurso está sendo aplicado à produção industrial, cidades inteligentes, monitoramento ambiental, assistência médica e muito mais. De acordo com projeções feitas pela Statista em 2023, o número de dispositivos IoT no mundo ultrapassa 15 bilhões. Até 2030, espera-se que esse número quase dobre, chegando perto de 30 bilhões.
A Indústria 4.0
Assim como existe o conceito de "casas inteligentes", existem, na indústria, as "fábricas inteligentes", que usam IoT em máquinas e sensores para otimizar a produção de forma econômica e ecológica. Uma referência nesses setores de alta tecnologia – também conhecidos como Indústria 4.0 – são as fábricas inteligentes da Infineon, instaladas na Áustria, Alemanha e Malásia.
Na Alemanha, com mais de 200 robôs auxiliando humanos na produção, o sistema de controle utiliza tecnologias de informação (TI) e se integra com inteligência artificial (IA). O objetivo, segundo a empresa, é desenvolver uma fábrica "mais eficiente, mais flexível e mais econômica".
Embora a equipe de especialistas e engenheiros da Infineon Technologies AG não revele métricas ou dados específicos sobre a eficiência na fábrica, a implementação de tecnologias de smart factory (2) em geral tem demonstrado melhorar a eficiência de várias maneiras.
Um exemplo é a aplicação de machine learning (3) para prever a manutenção. A partir da experiência, o sistema vai modificando e aperfeiçoando seu comportamento, podendo inclusive aprender a reconhecer sinais e antever problemas.
Nessa linha de raciocínio, os dados dos sensores podem ser analisados para indicar quando as máquinas provavelmente falharão, permitindo a manutenção proativa antes que ocorra uma quebra. Isso pode ajudar a reduzir o tempo de inatividade e melhorar a produtividade, além de economizar dinheiro e reduzir o desperdício, podendo até salvar vidas ao aprender a evitar acidentes.
O IoT na medicina
Outra área em que a velocidade da IoT pode salvar vidas diretamente é na medicina. Por exemplo, o sistema Health Harmony, do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS), monitora pacientes com condições crônicas – como insuficiência cardíaca e diabetes – por meio de dispositivos conectados à internet. Os dados coletados são enviados em tempo real aos provedores de cuidados de saúde, para permitir intervenção antes que surjam problemas.
Com mais de 3.000 usuários no Reino Unido, desde a implementação do sistema, os hospitais apresentaram menos internações e melhores resultados para os pacientes. Mesmo assim, o uso da IoT no sistema de saúde do Reino Unido ainda está em estágios iniciais e há um potencial significativo para esse transformar a forma como a saúde é entregue lá.
Nos últimos anos, o NHS financiou vários projetos por meio de um programa de inovação chamado “Internet of Things for Healthcare” (Internet das Coisas para a Saúde), incluindo o desenvolvimento de dispositivos vestíveis para monitoramento de doenças crônicas, citado anteriormente.
Um relatório feito em 2019 pela Aruba, uma empresa associada à líder em tecnologia corporativa Hewlett Packard Enterprise, estima que a adoção de dispositivos IoT na assistência médica do NHS pode levar a economias de até 1 bilhão de libras por ano até 2025.
Custos sociais
Embora a IoT tenha o potencial de revolucionar as vidas de vários, ela também apresenta certos problemas que a humanidade deve resolver para garantir o uso sustentável. Não, não estamos falando em ter a Terra dominada por robôs. Na realidade, o rápido crescimento da IoT no mercado aumenta a chance de problemas sociais desenvolverem-se despercebidos, e, com essas controvérsias, o princípio da sustentabilidade da IoT se contradiz.
O primeiro problema é a privacidade, especialmente em áreas como a da saúde. A quantidade de dados examinados e compartilhados é imensa, logo, sem medidas adequadas, uma violação de segurança pode ter um impacto desastroso.
Devido à natureza sensível das informações e às possíveis consequências para os pacientes, a segurança dos dados deve ser a principal prioridade ao implementar a IoT na área da saúde. Portanto, é crucial planejar cuidadosamente e considerar questões de segurança e privacidade para garantir o sucesso de qualquer iniciativa de IoT.
Além da IoT poder substituir o trabalho humano por computadores, ela também afeta o mercado de trabalho, já que inúmeros trabalhos manuais na linha de produção migram para áreas que requerem maior especialização em análise de dados ou engenharia. Desse modo, um funcionário sem conhecimento técnico desse tipo se tornaria inútil na empresa, podendo causar um aumento no número de demissões.
"Os empregos que estão desaparecendo não vão voltar. E isso significa que, como sociedade, precisamos repensar como vamos garantir que as pessoas tenham renda, meios de subsistência e formas de contribuir para a sociedade, mesmo que não estejam trabalhando em empregos tradicionais", afirmou Erik Brynjolfsson, diretor da Iniciativa sobre a Economia Digital do MIT.
Por último, há uma questão mais sensível diretamente relacionada à forma como a IoT é aplicada: preocupações sobre o uso desses dispositivos para perpetuar a discriminação.
Um caso notável foi a pesquisa da cientista da computação e ativista digital Joy Buolamwini, que encontrou, em algoritmos de reconhecimento facial, uma disparidade na precisão entre diferentes grupos demográficos, com uma maior deficiência em pessoas de pele escura e mulheres.
Essa irregularidade no sistema abre brechas para problemas de segurança e inclusão. Por isso, como ativista pelos direitos da população negra e das mulheres, Buolamwini partiu das conclusões de sua pesquisa para conscientizar a população sobre o viés nas tecnologias atuais de reconhecimento facial e contribuir para a maior atenção ao estado ainda imperfeito das tecnologias IoT.
Outro exemplo desse viés é a polícia preditiva, que consiste em algoritmos de machine learning usados para identificar locais prováveis de crime, com o objetivo de prevenir a ocorrência criminal. Apesar da motivação otimista, esse tipo de tecnologia pode promover padrões desiguais contra certas comunidades, especialmente pessoas não brancas.
Em 2016, um estudo do think tank (4) RAND Corporation descobriu que o PredPol – um algoritmo de policiamento preditivo usado em Los Angeles – era mais propenso a recomendar ação policial em áreas com uma maior proporção de residentes negros e hispânicos. Com isso, esse viés pode levar a uma vigilância excessiva e a detenções potencialmente injustificadas de pessoas negras e latinas.
De fato, pode haver uma correlação entre as áreas marcadas e a criminalidade, mas deve-se ter em mente o índice objetivo de criminalidade para julgar necessária a ação policial. Caso contrário, corre-se o risco de reproduzir sistemas de preconceito quanto à etnia, origem ou classe social.
Constante evolução
Se incorporarmos o funcionamento da IA e analisarmos os padrões dos problemas da IoT, notamos que todos eles têm sua origem na novidade dessa tecnologia. A humanidade vem aplicando dispositivos IoT em todas as áreas possíveis e isso acaba gerando conflitos inevitáveis. Apesar disso, mesmo com múltiplas possibilidades, o objetivo da IoT é apenas um: tornar nossas vidas mais seguras e sustentáveis.
Contando com aplicações domésticas, industriais, médicas e muitas outras, o futuro da IoT é brilhante. Entretanto, até chegarmos lá, será tarefa da humanidade lidar com questões de privacidade, desemprego, discriminação étnica e de gênero e quaisquer outros problemas que possam surgir.
Glossário:
(1) smarthome: do inglês, “lar inteligente”, comumente associado a ambientes nos quais um ou mais dispositivos estão conectados à internet e podem ser controlados a distância, via smartphone ou comandos de voz.
(2) smart factory: do inglês, “fábrica inteligente”, expressão usada para definir complexos de indústria que utilizam uma rede interconectada de máquinas para automatizar a produção.
(3) machine learning: do inglês, “aprendizado de máquina”, é uma parte da inteligência artificial que se concentra na construção de sistemas que aprendem, ou melhoram seu desempenho, com base nos dados que consomem ao longo do tempo de funcionamento.
(4) think tank: muitas vezes referido em português como “fábrica de ideias”, são instituições que se dedicam a produzir conhecimento sobre temas relevantes do âmbito político, econômico e científico, para ajustar a criação de políticas públicas.
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