A troca de Presidente da República esconde, em suas entrelinhas, uma substituição substancial no aparato do Executivo. Esse momento tão importante junta um protocolo consistente a uma tradição histórica.
As Eleições Gerais de 2022 causaram um abalo nas redes sociais dos brasileiros, que por algumas semanas foram tomadas por discussões acerca da política, da democracia e do próximo Presidente da República. Com uma diferença de votos entre candidatos menor que 2%, o resultado do segundo turno da eleição presidencial definiu Luiz Inácio Lula da Silva, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), como o Presidente da República a partir de 2023.
Desde o anúncio do resultado no dia 30 de outubro, o governo do atual presidente Jair Messias Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), foi se encaminhando ao fim e, simultaneamente, começou um intervalo até a posse do candidato petista, prevista para o dia 1º de janeiro de 2023.
O processo de transição, no entanto, é iniciado muito antes do dia 1º: pela Lei nº 10.609 (2002), estipula-se a vigoração do procedimento padrão de troca de presidentes dois dias úteis após o dia da eleição. Portanto, o Governo Federal está, desde o dia 2 de novembro, sob o processo de transição presidencial, o qual, por via de regra, chegará ao fim somente 10 dias após a posse de Lula.
Transição hostil
Múltiplos fatores tornam a reeleição do ex-presidente Lula um fato historicamente inédito, o que, para a sua oposição, é um motivo ainda maior para insatisfação. Em primeiro lugar, a vantagem de Lula contabilizada em 2.139.645 votos é a menor desde a redemocratização, isto é, nenhum candidato venceu uma eleição de forma tão acirrada desde o início da Nova República, em 1985. Além disso, o candidato do partido trabalhador será o primeiro em toda a história a ser eleito pela 3ª vez ao cargo de Presidente da República, bem como o mais velho a conquistar o cargo, com seus 77 anos, superando o ex-presidente Michel Temer (MDB) ao assumir o comando do país com 75 anos, em 2016.
Fora a questão histórica, ainda há negligência do atual presidente Jair Messias Bolsonaro em admitir a vitória de seu oponente, e seu partido mantém uma posição de forte desconfiança sobre as urnas eletrônicas. A insegurança com a tecnologia é tanta que, no dia 22 de novembro, o PL ingressou com um pedido de invalidação dos votos registrados, solicitando um “terceiro turno”. Contudo, o caso não trouxe impactos diretos no processo de transição em função da falta de provas.
Somados, a reação do atual presidente e de seus apoiadores e o ineditismo do resultado provocam um sentimento de tensão no cenário político que abre o ano de 2023. Apesar de ser natural que o candidato derrotado se descontente, evitar que episódios assim se ampliem para transgressões da Constituição é fundamental. Para tanto, o procedimento institucionalizado é essencial, pois ele garante que toda a troca de presidentes seja garantida da forma mais honesta possível.
Processo burocrático
Dentro dos 2 meses disponíveis, ocorre a nomeação de até 50 dirigentes para os criados Cargos Especiais de Transição Governamental (CETG), que trabalharão até o dia da posse do candidato eleito e serão encarregados de compreender o funcionamento da Administração Pública vigente para preparar a iniciação do novo presidente. À equipe de transição, é concedido o acesso às contas públicas do Governo Federal; às atividades exercidas pelos órgãos e entidades; à estrutura organizacional da Administração Pública; aos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades; a assuntos que requeiram adoção de providências, ação ou decisão da administração no primeiro quadrimestre do novo governo; entre outros.
Para seguir os princípios de colaboração entre os governos e de transparência da gestão pública, prescritos pelo Decreto nº 7221 (2010), o presidente eleito indica um coordenador para o cargo de ministro extraordinário, cuja responsabilidade é supervisionar a equipe de transição. Desta vez, o cargo de ministro extraordinário foi assinalado ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB). Nas atividades de transição governamental, há também a coordenação do ministro-chefe da Casa Civil, cargo atualmente ocupado por Ciro Nogueira (PP), ao qual se confiou a entrega de documentos à equipe de Lula.
Toda a equipe selecionada para a transição presidencial é financiada a partir de um fundo predefinido durante o ano eleitoral nas propostas orçamentárias. Neste ano, a equipe conta com um montante reservado de R$ 3,2 milhões.
Dia da posse
Como mencionado, o dia padrão para a posse do candidato eleito é o primeiro dia do ano seguinte às eleições, ou seja, Lula tomará posse logo no dia 1º de janeiro de 2023. Entretanto, há, por trás da posse, uma cerimônia tradicionalmente executada em todas as posses presidenciais, com cada uma das seis etapas definidas pelo Decreto nº 70.274 (1972). Em ordem, as fases da cerimônia são: Desfile presidencial; Compromisso Constitucional (posse do presidente); Discurso à Nação; Transmissão da faixa presidencial; Pronunciamento à população presente na Praça dos Três Poderes; Recepção aos chefes de Estado, governo e autoridades nacionais.
O desfile presidencial abre a cerimônia às 15 horas com um percurso de aproximadamente dois quilômetros. Nesse trajeto, o presidente subindo ao poder é transportado em um Rolls-Royce Silver Wraith de 1952 - um veículo utilizado apenas em ocasiões especiais - desde a Catedral Metropolitana de Brasília até o Congresso Nacional.
Já no Congresso Nacional, o presidente eleito é recebido pelo Presidente do Senado e pelo Presidente da Câmara dos Deputados para cumprir o Compromisso Constitucional, que consiste numa sessão de solenidade. Nessa sessão, o Hino Nacional é tocado e o presidente deve prestar o seguinte compromisso: “Manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil” (Art. 78 da Constituição de 1988). Em seguida, é assinado o termo de posse, que oficializa o candidato como presidente do Brasil.
A terceira fase da cerimônia de posse é o Discurso à Nação, que intuitivamente constitui-se de um pronunciamento do presidente empossado ao povo brasileiro.
Após o discurso, o presidente se direciona ao lado de fora do Congresso Nacional e novamente é reproduzido o Hino Nacional, além de uma salva de exatamente 21 tiros de canhão - ritual militar reservado a celebrações do mais alto prestígio. O presidente, então, é levado pelo carro oficial até a parte externa do Palácio do Planalto, onde acontece a emblemática transmissão da faixa presidencial do ex-presidente para o presidente empossado.
Agora com a faixa, o novo presidente caminha até o parlatório do Palácio do Planalto, onde concede um discurso ao público presente na Praça dos Três Poderes. Em geral, esse discurso é mais curto e informal se comparado àquele anteriormente realizado no Congresso Nacional.
Por fim, são recepcionados pelo presidente os chefes de Estado, governo e as autoridades nacionais presentes e, na noite do mesmo dia, é realizado um jantar (ou coquetel) para convidados especiais no Palácio do Itamaraty.
Nota-se que é uma cerimônia extensa e repleta de especificidades, de modo a cumprir à risca a tradição. Portanto, para evitar quaisquer erros durante a posse oficial, é feito um ensaio prévio de todo o procedimento alguns dias antes.
Realizada pelo Senado Federal, a simulação da cerimônia de posse acontece com o objetivo de cronometrar o fluxo do evento, além de auxiliar na marcação de lugares dos militares. O treinamento ocorreu na última terça-feira (27/12) e funcionou como um polimento de todo o procedimento, alinhando, corrigindo e refinando pequenos detalhes.
Realmente uma grande logistica.
Muito bom esse artigo! Me surpreendi com a extensão e burocracia de todo o processo de transição de posse.