Eco-ansiedade: o medo do planeta em colapso
- Monalisa Sousa Trindade
- há 1 hora
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“O grito da Terra por ajuda contra o peso punitivo do sistema
industrial que criamos é o nosso próprio grito por uma vida em escala
e qualidade.”
Theodore Roszak, filósofo e criador da Ecopsicologia
E se o colapso ambiental não estivesse apenas nas florestas queimadas, nas ondas de calor ou nas enchentes que devastaram cidades inteiras, mas também dentro de nós? Em um mundo que aquece mais rápido do que as esperanças conseguem acompanhar, cresce um novo sintoma coletivo: a eco-ansiedade, um fenômeno psicológico e social que reflete o medo e o desamparo diante da crise climática.
A emergência da eco-ansiedade
Segundo o Cambridge Dictionary, o termo se refere ao “medo extremo de danos ambientais ou da ameaça de desastre ecológico”. Na prática, é a angústia de observar um planeta em processo de degradação e sentir-se impotente diante disso. A American Psychological Association (Associação Americana de Psicologia) define a eco-ansiedade como “um medo crônico da destruição ambiental”, mas vai além da simples reação emocional: trata-se de uma resposta adaptativa ao reconhecimento de que o equilíbrio da Terra — e, por consequência, o nosso — está em risco.
É uma forma de percepção ecológica da realidade, e não uma disfunção. Em outras palavras, a eco-ansiedade é o sentimento de uma geração que aprendeu a temer não monstros, mas colapsos ambientais.
De acordo com um levantamento global publicado pela revista científica The Lancet Planetary Health (2021), que ouviu mais de 10 mil jovens em dez países, 84% afirmaram sentir preocupação intensa com as mudanças climáticas e 45% disseram que esse sentimento interfere em suas atividades cotidianas. O estudo conclui que o sofrimento psicológico causado pelo aquecimento global já configura uma emergência de saúde pública — ou seja, uma ameaça significativa à população, cujos os efeitos ultrapassam o campo individual e passam a afetar comunidades inteiras, demandando políticas públicas, investimentos em saúde mental e ações preventivas que integrem meio ambiente e qualidade de vida.
Mais do que um conjunto de números, esses dados revelam o clima emocional de uma época. Jovens que cresceram em meio a incêndios florestais, pandemias e secas históricas vivenciam o colapso ambiental não como um evento distante, mas como parte de sua formação identitária. É uma geração que aprende sobre o futuro em um contexto de incerteza — e sente o peso disso na pele.
A falta de ação política, apontada pelos próprios autores do estudo como “uma forma de injúria moral”, agrava o quadro. A expressão se refere à sensação de traição ética que surge quando aqueles que deveriam proteger a sociedade — como governos e instituições — falham em agir diante de uma ameaça conhecida. A ausência de respostas eficazes de governos e instituições às crises ambientais também amplifica o sofrimento emocional de quem assiste ao colapso sem poder intervir.
Aqui se evidencia a responsabilidade direta das estruturas políticas e econômicas: a negligência institucional não é neutra. Quando o poder público se omite, essa ausência de ação também produz consequências — ela mantém e aprofunda as desigualdades, transfere a responsabilidade ao indivíduo e normaliza o sofrimento coletivo.
Luto, dor e raízes estruturais
Uma revisão publicada na revista BMC Psychiatry (2024) reforça que o fenômeno da eco-ansiedade é global e crescente. Ainda que varie culturalmente, manifesta-se de forma semelhante em diferentes partes do mundo: preocupação constante, culpa, tristeza e exaustão emocional.
Por outro lado, uma pesquisa de Mathers-Jones e Todd (2023) mostra que níveis moderados de eco-ansiedade estão associados a maior engajamento ambiental — desde ações individuais, como consumo consciente e vegetarianismo, até participação em protestos e projetos ecológicos comunitários. É o que especialistas chamam de eco-esperança: a capacidade de agir mesmo diante da incerteza.
O psicólogo Thomas Doherty, referência internacional em saúde mental e meio ambiente, em entrevista à American Psychological Association (Associação Americana de Psicologia), em 2020, observa que “estar ansioso com o clima mostra que você está prestando atenção”. Para ele, a eco-ansiedade não é fraqueza, mas consciência — um reflexo de empatia ecológica diante do colapso ambiental — uma sensibilidade que conecta a mente humana ao sofrimento do planeta.
A pesquisadora canadense da Memorial University, Ashlee Cunsolo, introduziu o conceito de luto ecológico — a dor profunda pela perda de ecossistemas, espécies e paisagens que moldam a experiência humana. “É um tipo de dor que desafia explicações clínicas”, afirma. “Não choramos apenas pela perda da natureza, mas pela perda de nós mesmos dentro dela.” E há motivos concretos para essa dor: segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), mais de um milhão de espécies estão ameaçadas de extinção nas próximas décadas. Com elas, desaparecem memórias culturais, paisagens afetivas e formas de vida que compõem o tecido simbólico da humanidade.
A eco-ansiedade, assim, é o reflexo de um luto coletivo e contínuo — o reconhecimento de que o colapso ambiental é também uma experiência emocional. Mas suas raízes vão além: trata-se da face emocional de uma ferida civilizatória, a separação simbólica entre humanidade e natureza. O pensador indígena brasileiro Ailton Krenak, em Ideias para adiar o fim do mundo (2019), denuncia essa ruptura: “Fomos nos alienando desse organismo de que somos parte — e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra.”
Essa dissociação histórica é o cerne da crise que vivemos. Desde a Revolução Industrial, o capitalismo consolidou uma lógica de exploração que transforma a natureza em recurso e o tempo em mercadoria. O sistema que exaure o planeta é o mesmo que esgota corpos e mentes humanas, reduzindo a vida à produtividade. Dessa perspectiva, a eco-ansiedade não é patologia — é resistência emocional a um mundo que normalizou o desequilíbrio. É a sensibilidade lutando contra a lógica da indiferença.
Apesar da crescente visibilidade, a eco-ansiedade ainda é pouco reconhecida por políticas públicas e instituições de saúde. A BMC Psychiatry (2024) aponta que nenhum país incorporou oficialmente o tema em suas estratégias nacionais de saúde mental. Mesmo em países de alta renda, as iniciativas são isoladas e carecem de integração entre meio ambiente e psicologia.
No Brasil, o debate ainda é novo, em fase inicial. Poucos grupos de pesquisa se dedicam ao tema — não por falta de interesse acadêmico, mas por ausência de investimentos estruturais em pesquisa climática e em saúde mental. Essa negligência cria um duplo apagamento: o da natureza e o das emoções que acompanham sua perda. Mais crítico ainda, a omissão institucional evidencia prioridades políticas e econômicas que colocam lucro e conveniência acima da vida e do bem-estar humano.
A psicóloga Caroline Hickman, da Universidade de Bath, alerta: “Falar de mudanças climáticas é falar de emoções humanas. Ignorar a dor que isso causa é negar a experiência das gerações que herdarão o futuro.”
Da consciência à ação
Mais do que um sintoma, a eco-ansiedade é um chamado ético. O historiador e filósofo norte-americano Theodore Roszak, conhecido por cunhar o termo contracultura e por fundar o campo da ecopsicologia — uma abordagem que une psicologia e ecologia — já advertia, nos anos 1990, que “o caminho para a sanidade passa pelo limiar do mundo não humano”.
A ecopsicologia, campo que ele fundou, propõe a reconciliação entre mente e Terra como parte de um mesmo processo de cura. Para ele, as prioridades ecológicas do planeta se expressam “por meio do mais privado trabalho espiritual”.
Essa visão dialoga com o pensamento de Krenak, que convida à reconstrução dos vínculos com a Terra e à valorização de outras formas de existência. “Adiar o fim do mundo”, escreve o autor, “é reaprender a pertencer.” A eco-ansiedade, nesse sentido, é tanto dor quanto oportunidade — a chance de reencontrar o equilíbrio perdido entre humanidade e natureza.
Portanto, a eco-ansiedade é o preço psicológico de perceber o planeta como extensão do próprio corpo. Num tempo de negacionismo e indiferença, sentir tornou-se um ato político. A ansiedade climática pode doer, mas também pode curar ao transformar o medo em consciência, a impotência em ação e a culpa em responsabilidade compartilhada. Se a eco-ansiedade é o sintoma, a reconexão pode ser a cura. Porque reconhecer o sofrimento é, também, começar a reverter o colapso.
Enquanto líderes mundiais debatem metas e relatórios, cresce uma geração que sente — e sente profundamente. A eco-ansiedade é o retrato psíquico de um planeta em crise, mas também a prova de que há, na humanidade, uma força que resiste: a capacidade de se importar. Reconhecê-la é admitir que o futuro da Terra também se decide dentro de nós, e que nossa ação coletiva tem impactos tangíveis sobre o equilíbrio do planeta e sobre a saúde mental das próximas gerações.
REFERÊNCIAS
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AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. How to manage eco-anxiety: Speaking of Psychology podcast with Thomas Doherty. Washington, DC: APA, 2020. Disponível em: https://www.apa.org/news/podcasts/speaking-of-psychology/eco-anxiety. Acesso em: 26 out. 2025.
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