Figura 1
Não é incomum ver ou até mesmo vivenciar situações em que uma música induz certa emoção em seu ouvinte, seja tristeza, alegria, raiva… Diante desse fenômeno, inicia-se o questionamento se é realmente a música que induz emoções nos ouvintes e se existem evidências científicas que sustentam a hipótese de que a música pode produzir emoções.
Diversos autores reconhecem que, ao ouvir uma música, sentimentos podem ser evocados por determinados mecanismos psicológicos. Juslin & Liljeström & Västfjäll & Lundqvist, por sua vez, teorizam um modelo com a presença de 7 mecanismos psicológicos responsáveis pela indução de emoção nos indivíduos, denominado de modelo BRECVEM (JUSLIN et al., 2010). Os mecanismos podem operar com ou sem a presença da consciência do ouvinte, a partir de ou com a ausência de sua bagagem cultural e de aprendizado influente em seu processamento. Cada mecanismo não é excludente do outro, sendo vistos de maneira complementar entre si.
1. Reflexo do tronco cerebral
O reflexo do tronco cerebral é o processo no qual uma emoção é induzida no ouvinte por uma ou mais características acústicas de uma música ao exceder um determinado valor de corte. Durante esse fenômeno, nosso sistema auditivo alerta rapidamente nosso cérebro para um possível evento perigoso ou importante, que está acontecendo com base nesse som. Esses sons na música podem ser os que são súbitos ou extremos, altos, dissonantes, ou os que são acelerados, fortes e de grande tamanho (HALLAM et al, 2016 apud JUSLIN, 2008).
O tronco cerebral é uma estrutura antiga do cérebro que serve a uma série de funções sensoriais e motoras, incluindo à percepção auditiva e à mediação e controle da atenção, da excitação emocional, da frequência cardíaca, da respiração e do movimento (JOSEPH, 1996). Ao ouvirmos os sons com as características citadas anteriormente, nosso sistema nervoso central é ativado, incluindo o tronco cerebral e suas demais estruturas. Evidências sugerem que os processos fisiológicos subjacentes a esses alertas ocorrem graças à conexão com a formação reticular do tronco cerebral e com os núcleos intralaminares do tálamo, que recebem informações do sistema auditivo.
Figura 2: Tronco encefálico
Os reflexos do tronco cerebral podem explicar os efeitos estimulantes e relaxantes da música, além de expor como meros sons podem induzir prazer e desagrado, que são fatores que podem provocar determinadas emoções nos ouvintes.
2. Contágio emocional
O contágio emocional corresponde a um processo em que o ouvinte percebe a emoção expressa na música e, a partir dessa identificação, ele “imita” essa emoção internamente, sem utilizar da consciência para tal recriação (JUSLIN, 2014). Esse mecanismo se baseia na ideia de que os ouvintes são estimulados por características semelhantes à da voz presentes na música, como se um “módulo cerebral” respondesse automaticamente aos elementos da mesma forma que reagem a uma voz humana expressando emoções.
De acordo com Juslin, o teorizador do mecanismo, as emoções são transmitidas de dois modos: através da linguagem e do som (JUSLIN, 2013). O primeiro é o responsável pelo conteúdo da mensagem, o que está sendo dito precisamente. O segundo é responsável pela expressão da emoção, ou seja, pela forma como a mensagem é dita.
Ao ouvir alguém falar, o cérebro do ouvinte processa o conteúdo da frase e a expressão emocional da mensagem. Quanto mais forte a expressão emocional, maior a probabilidade de evocar a mesma emoção no ouvinte.
3. Imagens visuais
O mecanismo de imagens visuais induz emoções a partir de recursos visuais que o ouvinte cria ao ouvir certa obra musical formada por características musicais como a repetição, a probabilidade na melodia, a harmonia, o ritmo e outros fatores que estimulam a formação de imagens vividas (JUSLIN, 2013; McKINNEY & TIMS, 1995). Ainda assim, esse mecanismo é um dos que possuem menos respostas para seus processos.
Diferentemente dos mecanismos psicológicos apresentados anteriormente, o de imagens visuais tem grande participação no consciente dos ouvintes, uma vez que eles mesmos podem evocar as imagens em sua imaginação ao ouvir a música. Diante disso, esse mecanismo possui grande influência nas emoções induzidas pela música, pois pode formar, manipular e descartar as imagens livremente para cada ouvinte.
4. Memória Episódica
Nesse processo, as emoções são induzidas a partir de memórias passadas da vida do ouvinte que são evocadas através de determinada música. Pesquisas já comprovaram que músicas evocam memórias (GABRIELSON, 2001), e uma memória ao ser “ativada” também ativa as emoções relacionadas a essa memória (JUSLIN, 2014).
Figura 3
Esse mecanismo já foi considerado o menos musicalmente relevante por cientistas, porém, foi comprovado que é ele uma das principais e mais frequentes origens da evocação de emoções em música. Uma vez que os ouvintes muitas vezes ouvem músicas para se lembrarem de eventos passados, destaca-se assim a importância da música para evocar o sentimento de nostalgia.
O sentimento de nostalgia é o fator crucial para diferenciar esse mecanismo do de imagens visuais mencionado anteriormente. A memória episódica recorre somente a eventos no passado que realmente aconteceram, diferente do anterior, em que podem ser formadas imagens que não necessariamente ocorreram. Por conta de a recordação ser a essência dessa ferramenta, logicamente a parte relacionada ao mecanismo é o hipocampo, que é uma estrutura localizada no lobo temporal com um papel significativo no armazenamento de memória e nas associações com emoções (LEDOUX, 1998). Graças à neuroplasticidade — a capacidade de adaptação do Sistema Nervoso Central (SNC) —, esse mecanismo torna o indivíduo capaz de acomodar novas experiências associadas a uma variedade de estímulos sensoriais (JUSLIN, 2013).
5. Expectativa musical
Nesse processo, a linguagem musical evoca emoções no ouvinte através de determinados procedimentos tais como atrasar ou confirmar as expectativas dos ouvintes em relação à lógica do processo musical, que se encontra nas escalas usadas, nas progressões de acordes etc. Por exemplo, “a progressão sequencial de Mi-Fá# estabelece a expectativa musical de que a música continuará com Sol#. Se isso não acontecer, o ouvinte pode ficar, por exemplo, surpreso” (JUSLIN, 2008; SLOBODA, 1991).
Essas expectativas musicais são puramente baseadas em experiências anteriores com o mesmo estilo musical (CARLSEN, 1981; KRUMHANSL et al., 2008), sendo notável assim um forte impacto e interferências da cultura e do aprendizado de cada indivíduo nesse mecanismo. Uma prova disso foi a análise feita por Sloboda (1989), em que foi observado que crianças de 5 anos por exemplo não rejeitavam as dissonâncias (quebra da harmonia musical) em acordes considerados “errados”. Por sua vez, as com nove anos de idade já eram capazes de identificar a quebra de expectativa.
As linguagens possuem esse mecanismo de quebra de expectativas. De certo modo, a linguagem musical se relaciona à linguagem verbal, pois a música também tem uma certa “sintaxe” na qual seus elementos são organizados de maneira hierárquica seguindo certos critérios (JUSLIN, 2008), e quando essa organização é rompida, o ouvinte percebe essa quebra de expectativa. Isso ocorre de modo semelhante ao rompimento da própria sintaxe gramatical, na linguagem verbal, que ativa o mesmo mecanismo.
6. Entretenimento Rítmico
Nesse mecanismo, "[...] uma emoção é induzida por uma peça musical porque o ritmo poderoso e externo da música interage com um ritmo corporal interno do ouvinte, como a frequência cardíaca." (JUSLIN, 2013). Ao tomar consciência dessas mudanças fisiológicas, o ouvinte, consequentemente, sente-se emocionalmente engajado, pois sente despertar um sentimento de comunhão. Assim, Juslin e seus colegas sugerem que os processos de sincronização que conectam a estrutura temporal das entradas musicais com a atividade fisiológica, como a frequência cardíaca ou a respiração, desempenham um papel causal na indução de emoções.
Os estudos confirmaram que ouvir música pode induzir mudanças fisiológicas em seus ouvintes, como na respiração e na frequência cardíaca (HODGES, 2010). A psicologia musical também provou que o andamento é um dos mais importantes determinantes da indução de humor na música (GABRIELSON & JUSLIN, 2003; SCHUBERT, 2004). Dessa forma, é possível fazer uma relação entre esses processos no que se refere a gerar reações emocionais na música, através da indução de mudanças sincronizadas em processos fisiológicos como a respiração (TROST, 2013).
7. Avaliação Condicionada
No mecanismo de Avaliação Condicionada, as nossas reações emocionais são moldadas pela associação contínua desse estímulo com outro estímulo positivo ou negativo. Por exemplo, se uma música específica repetidamente coincide com um determinado evento que sempre o deixou feliz (como encontrar seu melhor amigo), com o tempo, por meio de associações repetidas, a música acaba induzindo felicidade mesmo na ausência da interação amigável.
Figura 4
A Avaliação Condicionada ocorre de forma independente da consciência do indivíduo em relação à associação entre os estímulos envolvidos (Martin et al., 1984; Ohman & Mineka, 2001). Essa característica de autonomia do mecanismo tem implicações interessantes nas experiências musicais: Observou-se que certas peças de música induzem emoções sem uma razão aparente, e a Avaliação Condicionada oferece uma possível explicação para esse fenômeno. Além disso, ela nos leva a prever que podemos reagir com emoções positivas a músicas que consideramos de baixa qualidade simplesmente porque essas músicas estiveram associadas repetidamente a situações agradáveis no passado. Tais efeitos, presumivelmente, poderiam ser demonstrados em experimentos de audição que empregam paradigmas estabelecidos para o condicionamento (Lavond & Steinmetz, 2003).
Assim como na música, onde determinadas notas ou acordes quebram as expectativas musicais dos ouvintes, na Avaliação Condicionada, os estímulos que desafiam ou contrariam as expectativas do indivíduo podem resultar em mudanças significativas nas suas reações emocionais e atitudes em relação a esses estímulos. Essencialmente, tanto na música quanto na Avaliação Condicionada, a quebra de expectativas desempenha um papel crucial na forma como percebemos e respondemos ao mundo ao nosso redor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Carlsen, J. C. (1981). Some factors which influence melodic expectancy. Psychomusicology: A Journal of Research in Music Cognition, 1(1), 12–29. https://doi.org/10.1037/h0094276
Gabrielsson, A. (2001). Emotions in strong experiences with music. In P. N. Juslin, & J. A. Sloboda (Eds.), Music and emotion: Theory and research (pp. 431-449). New York: Oxford University Press
Gabrielsson, Alf & Juslin, Patrik. (2003). Emotional expression in music. Handbook of Affective Sciences, ed. by RJ Davidson, KR Scherer, HH Goldsmith.
Hallam, S., Cross, I., & Thaut, M. (Eds.). (2016). The Oxford handbook of music psychology (2nd ed.). Oxford University Press.
Hodges, D.A. (2010). Music in the Human Experience: An Introduction to Music Psychology (1st ed.). Routledge. https://doi.org/10.4324/9780203834978
Juslin, P. N., Harmat, L., & Eerola, T. (2014). What makes music emotionally significant? Exploring the underlying mechanisms. Psychology of Music, 42(4), 599–623. https://doi.org/10.1177/0305735613484548
Juslin, Patrik & Liljeström, Simon & Västfjäll, Daniel & Lundqvist, Lars-Olov. (2010). How does music evoke emotions? Exploring the underlying mechanisms. 10.1093/acprof:oso/9780199230143.003.0022.
Juslin, Patrik & Västfjäll, Daniel. (2008). Emotional Responses to Music: The Need to Consider Underlying Mechanisms. The Behavioral and brain sciences. 31. 559-75; discussion 575. 10.1017/S0140525X08005293.
Juslin, P. N., Liljeström, S., Västfjäll, D., Barradas, G., & Silva, A. (2008). An experience sampling study of emotional reactions to music: Listener, music, and situation. Emotion, 8(5), 668–683.
Juslin, P. N. (2013). From everyday emotions to aesthetic emotions: towards a unified theory of musical emotions. Physics of life reviews, 10(3), 235–266.
Joseph, R. (1996). Neuropsychiatry, neuropsychology, and clinical neuroscience: Emotion, evolution, cognition, language, memory, brain damage, and abnormal behavior (2nd ed.). Williams & Wilkins Co.
Krumhansl, C. L., & Agres, K. R. (2008). Musical expectancy: The influence of musical structure on emotional response. Behavioral and Brain Sciences, 31(5), 584–585. https://doi.org/10.1017/S0140525X08005384
Lavond, D. G. & Steinmetz, J. E. (2003) Handbook of classical conditioning. Kluwer Academic. [aPNJ]
LEDOUX, Joseph. The emotional brain: the mysterious underpinnings of emotional life. New York: Simon & Schuster, 1996.
McKinney, C. H., Tims, F. C., Kumar, A. M., & Kumar, M. (1997). The effect of selected classical music and spontaneous imagery on plasma beta-endorphin. Journal of behavioral medicine, 20(1), 85–99. https://doi.org/10.1023/a:1025543330939
Martin, D. G., Stambrook, M., Tataryn, D. J. & Beihl, H. (1984) Conditioning in the unattended left ear. International Journal of Neuroscience 23:95 – 102. [aPNJ]
Ohman, A. & Mineka, S. (2001) Fears, phobias, and preparedness: Towards an evolved module of fear and fear learning. Psychological Review 108:483 –522. [aPNJ]
Schubert, Emery. (2004). Modeling Perceived Emotion With Continuous Musical Features. Music Perception. 21. 561-. 10.1525/mp.2004.21.4.561.
SLOBODA, John. Music structure and emotional response: Some empirical findings. Psychology of Music, v. 19, n. 2, p. 110-120, 1991.
TROST, Wiebke. Music and emotion: Psychological aspects. In: JUSLIN, Patrik N.;
VÄSTFALEN, Petri (Eds.). The Emotional Power of Music: Multidisciplinary Perspectives on Musical Arousal, Expression, and Social Control. Oxford: Oxford University Press, 201. p. 81-99.
Comments