Na última semana, uma notícia tomou conta dos principais sites de fofoca: “O telescópio espacial James Webb refutou a teoria regente de criação do universo- Big Bang”. Novamente, é necessário explicitar que contas de Instagram criadas para discutir a vida de influencers não são fontes científicas exatamente confiáveis.
Toda essa trama começou quando houve o anúncio oficial de que o JWST (James Webb Space Telescope) havia encontrado seis galáxias cujas massas e amadurecimento podem ser comparados aos da Via Láctea (10^11 massas solares). As captações do telescópio datam os achados em apenas 500 e 700 milhões de anos após o Big Bang (há 13,8 bilhões de anos). Não há negação quanto à surpresa da comunidade científica: o professor Joel Leja, da Penn State University, afirmou que o esperado para os dias atuais era encontrar estritamente galáxias pequenas, não do tamanho que foram encontradas. Já o astrofísico Ivo Labbe, da Universidade de Tecnologia de Swinburne, na Austrália, apontou: “Elas são radicalmente diferentes, a Via Láctea levou 13,8 bilhões de anos para formar essa quantidade de estrelas, enquanto a jovem galáxia levou apenas 700 milhões de anos”. É importante notar, adicionalmente, que as galáxias são chamadas de “candidatas”. Isso porque ainda não passaram pelo processo de espectroscopia- estudo da interação entre a radiação eletromagnética e a matéria- para confirmar a primitividade das estrelas achadas.
Galáxias encontradas pelo JWST
Há, ainda, uma controvérsia no processo todo: as galáxias encontradas mais afirmam do que negam a Teoria do Big Bang. Caso passem pelo teste de espectroscopia, as, agora, galáxias reais entrariam com suas respectivas características (distância, massa, amadurecimento e quantidade de estrelas…) em novas pequenas alterações de detalhes dos modelos atuais, como apontado pela Revista Space:
“The irony is that JWST's observations are actually supporting the Big Bang model, showing that the first galaxies were smaller and grew larger over time, just as Big Bang cosmology predicts. The surprising finding that galaxies in the early universe are more plentiful, and a little more massive and structured than expected, doesn't mean that the Big Bang is wrong. It just means that some of the cosmology that follows the Big Bang requires a little bit of tweaking. And that's the fun of science.”
[A ironia é que as observações do JWST estão, na verdade, apoiando o modelo Big Bang, mostrando que as primeiras galáxias eram menores e, então, expandiram com o passar do tempo, assim como o previsto pela cosmologia do Big Bang. A surpreendente descoberta de que as galáxias no começo do universo eram mais abundantes, massivas e melhor estruturadas do que o esperado não significa que o Big Bang está errado. Ela só mostra que parte da cosmologia inclusa nos desdobramentos do Big Bang requer um pouco de alteração. E essa é a parte divertida da ciência.]
Representação do espaço-tempo desde o Big Bang até os tempos atuais
Spill the tea, science community!
O caminho para uma pequena descoberta se tornar manchetes como “Urgente: O Big Bang foi refutado!” vem desde 2022, com a publicação do texto "Four revelations from the Webb telescope about distant galaxies" [Quatro revelações do telescópio Webb sobre galáxias distantes] na revista Nature, escrito por uma moça cujo perfil no Twitter é “Allison I love the Big Bang Kirkpatrick”.- Podia ser uma fangirl da série The Big Bang Theory, mas é uma cientista respeitada. Alisson Kirkpatrick, assistente de professores da University of Kansas, também adicionou ao seu artigo do ano passado, após a liberação das primeiras imagens do JWST, a polêmica citação:
“Right now I find myself lying awake at three in the morning wondering if everything I've done is wrong.” [Neste momento, estou acordada às 3 da manhã questionando se tudo que fiz foi errado].
Entre muitas reafirmações do Big Bang envolvidas no texto, a citação retirada de contexto e novas descobertas do telescópio espacial mostraram ser uma oportunidade perfeita para o pseudocientista Eric Lerner.
Eric Lerner é um pseudo-pesquisador e negacionista do Big Bang desde 1980, conhecido pela queixa de que cientistas são pagos pelo governo para defender o Big Bang. O oportunista já publicou diversos artigos que procuram contradizer a teoria regente de criação do universo e encontrou, na fala de Alisson Kirkpatrick, a citação perfeita para publicar sua nova obra “The Big Bang didn’t happen” [O Big Bang não aconteceu]. É tão visível o quanto Eric Lerner não possui argumentos contra o Big Bang, que sua primeira tentativa de convencer o leitor, nada científica, alega que a comunidade toda está em pânico, novamente, tirando de contexto um artigo publicado antes mesmo do JWST ser lançado, com o título “Panic!”
É compreensível que, em casos como este, a desinformação pode não ser tão perigosa quanto fake news envolvendo vacinas ou outros medicamentos. Porém, argumentos como os de Lerner criam uma falta de credibilidade do público em relação à ciência verdadeira. Isso não quer dizer que as pessoas não deveriam questionar os modelos atuais, mas indagações inteligentes são feitas com uma cabeça aberta e crenças estão abaixo de evidências. Assim, próxima vez que sites de fofocas publicarem que o Big Bang não aconteceu, a Terra é plana ou aquecimento global é uma invenção comunista para destruir o capitalismo, faça questão de, se possível, gentilmente, perguntar por uma argumentação científica bem estruturada.
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