top of page

A invisibilidade da Afromatemática no ensino brasileiro

Brenda Emanuelle de Paula Santos,

Afromatemática:


A “Afromatemática,” união das palavras "Afro", que remete ao que vem, tem descendência ou é da África, e "Matemática", a área do conhecimento que estuda números, fórmulas e técnicas diversas.


O termo em questão consiste em valorizar as descobertas realizadas pelos povos africanos e os seus descendentes nas ciências exatas, como física, química, biologia e etc. É evidente uma questão histórica de negligência às contribuições africanas na matemática, podendo até virar caso de apagamento histórico de diversas descobertas.


Relevância política:


No Brasil, a Lei 10.639/2003 determina que o ensino da história afro-brasileira e indígena seja incluída na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). No entanto, na prática, essa obrigatoriedade enfrenta desafios para ser implementada de forma efetiva em sala de aula.


A lei não exige a criação de disciplinas específicas no ensino fundamental ou médio. Atualmente, a abordagem curricular da cultura afro e indígena está nas disciplinas já existentes, como história, matemática, física e química. Porém, as universidades que formam os futuros professores responsáveis por levar esses conhecimentos para a sala de aula não incluem esses temas nos projetos pedagógicos de seus cursos de licenciatura e bacharelado. Como resultado, surge uma defasagem tanto curricular quanto cultural.


Somente em 2017, 14 anos após a aprovação da lei, a Universidade Federal do ABC (UFABC) incluiu, sob pressão do Coletivo Negro Vozes, duas disciplinas relacionadas à Afromatemática no currículo de seu curso de licenciatura em matemática.


Ensinar Afromatemática não é apenas um ato pedagógico, mas também uma forma de resistência. É um meio de desmistificar ideias preconceituosas e valorizar a rica história, cultura e conhecimentos do continente africano desde de o ensino básico, visando formar adultos com conhecimentos concretos sobre o tema. Assim, incluir os saberes africanos tanto no ensino inicial quanto na formação de professores na graduação é essencial para evitar que esse repertório continue sendo apagado da história ou negado por meio do preconceito estrutural.


Afromatemática e o racismo:


Atualmente, observa-se uma herança do racismo presente nas pessoas do Brasil e do mundo que continua a minimizar os conhecimentos relacionados à África principalmente em áreas como as exatas. Um exemplo emblemático é o debate sobre as pirâmides do Egito. Muitos preferem acreditar que esses monumentos foram construídos por alienígenas, em vez de reconhecer o trabalho de engenheiros, pensadores e trabalhadores egípcios da época.


Figura 1 - As três pirâmides de Gizé ( Wikimedia Commons/Moh haken)
Figura 1 - As três pirâmides de Gizé ( Wikimedia Commons/Moh haken)

 Embora existam mistérios em torno das pirâmides, pois não temos conhecimento de todos os registros desse período, sabe-se que os cálculos para sua construção eram baseados em crenças religiosas e que a execução envolvia tanto escravizados quanto trabalhadores livres. Curiosamente, esses questionamentos não surgem quando o assunto são construções europeias, como as gregas e romanas, que são igualmente grandiosas.


A falta de abordagens sobre essas questões no ambiente escolar, aliada à ausência do ensino sobre pensadores negros e suas contribuições, reflete a carência de incentivo por parte das escolas e a formação insuficiente oferecidas nas universidades públicas e privadas. Essa lacuna fomenta preconceitos e perpetua teorias infundadas.


Além disso, a negligência com a história e contribuições sociais feitas por pessoas negras, gera uma falta de identificação por parte dos alunos afro-descendentes que estão presentes em sala de aula. Os pesquisadores Santos e Neto (2011), fizeram uma pesquisa nas escolas do fundamental da rede municipal de Porto Alegre-RS e concluíram que a população de ascendência negra não estuda a história dos seus antepassados nem a relevância dos mesmos:


“A escola, em geral, ainda vê e mostra o negro como povo secundário, que ganha visibilidade apenas no período da escravidão, reforçando a imagem de trabalhador braçal de intelecto reduzido.” (SANTOS e NETO, 2011, p.08).


Portanto, é fundamental trabalhar e incentivar a inclusão de tais tópicos na educação, promovendo o reconhecimento e a valorização do legado africano nas ciências exatas.


Aplicação da Afromatemática no cotidiano:


Uma forma de trazer a matemática de origem africana no dia a dia e também em sala de aula é através de jogos lúdicos que são fáceis de trabalhar com qualquer faixa etária. Por exemplo, uma brincadeira muito popular em todo o continente africano é o Mancla (Oware), dependendo da região do continente o nome pode variar, esse jogo que tem origens muito antiga pois já era jogado pelos antigos faraós e os nobres egípcios, consiste na contagem e movimentação de peças, que tem como plano de fundo um tabuleiro que remete a semeadura. O tabuleiro vai ter seis calhas menores e uma calha maior para cada jogador, o objetivo desse jogo vai ser colocar o maior número de sementes na sua calha

maior.


Figura 2 - Oware (IgGameCenter)
Figura 2 - Oware (IgGameCenter)

A movimentação do jogo vai ser pegar as sementes de uma das calhas menores e semear uma por uma nas calhas restantes tentando chegar na calha maior, caso o jogador consiga chegar na maior calha ele pode jogar novamente. Se um dos jogadores colocar uma semente em uma calha menor vazia, ele pode capturar as sementes dos adversários que estão em paralelo a sua calha.


Figura 3 - Oware (IgGameCenter)
Figura 3 - Oware (IgGameCenter)

 Por mais que pareça um jogo simples, o entendimento de probabilidade, para prever jogadas possíveis e favoráveis, pode facilitar a vitória de um dos jogadores. Logo, essa dinâmica pode ser utilizada para facilitar o entendimento dos alunos diante desse conteúdo da matemática, e o melhor disso é que o desenvolvimento do jogo não precisa necessariamente de um tabuleiro, na imagem abaixo o tabuleiro foi feito usando caixa de ovos, feijão e dois potinhos, e por isso o custo de fazer nas aulas e baixo.


Figura 4 - Tabuleiro de mancala com caixa de ovos (Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento)
Figura 4 - Tabuleiro de mancala com caixa de ovos (Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento)

Matemáticos e cientistas negros para abranger o seu repertório:


Para finalizar, serão apresentados cinco cientistas e matemáticos negros, com o objetivo de aprofundar ainda mais o tema.


Alice Ball (1892-1916)


Alice Ball foi a primeira mulher a se formar na Universidade do Havaí, e aos 23 anos criou o método Ball, sua descoberta foi responsável por curar a doença de Hansen, mais conhecida como lepra, através de tratamento químico melhorando a vida de muitos enfermos que eram forçados a sair de casa por causa da condição crônica.


Aos 24 anos Ball faleceu, mas até hoje é reconhecida pelo seu trabalho, todo ano bissexto, no dia 29 de fevereiro, é comemorado o Alice Ball Day no Havaí.


Figura 5 - Alice Ball (Wikipedia)
Figura 5 - Alice Ball (Wikipedia)

Katherine Johnson (1918-2020)


Katherine Johnson era uma mulher afro-norte-americana que sempre foi um prodígio em matemática, ela concluiu o ensino médio aos 14 anos e o curso superior de matemática aos 18 anos.


Aos 30 anos, Johnson entrou para o NACA, Comitê Consultivo Nacional para Aeronáutica, a atual NASA, quando vagas para mulheres negras cientistas foram abertas. Ela trabalhava como “Computadora” e era chefiada por outra mulher negra, Dorothy Vaughan.


Após 4 anos nesse cargo, ela começa a produzir artigo sobre exploração espacial e foi uma das cientistas que participou da missão Apollo 11 que levou o ser humano à lua. Em 2016 sua história, e a história de Dorothy Vaughan e Mary Jackson, foi retratada no filme Hidden Figures (Estrelas Antes do Tempo) de 2016 dirigido por Theodore Melfi e escrito por Margot Lee Shetterly.


FIgura 6 - Katherine Johnson(Wikipedia)
FIgura 6 - Katherine Johnson(Wikipedia)

Sonia Guimarães (1957-)


Sonia Guimarães é a primeira mulher afro-brasileira que se formou como doutora em física no Brasil e também começou a atuar como professora de física no Instituto de Tecnologia Aeronáutica, ITA, quando a instituição ainda não aceitava mulheres como alunas.


No ano de 2023, Sônia recebeu a Medalha Santos Dumont de Honra ao Mérito após 30 anos lecionando no ITA e além disso ela foi eleita uma das 100 pessoas mais inovadoras da América Latina pela Bloomberg Línea.


Figura 7 - Sonia Guimarães (Iric/Divulgações)
Figura 7 - Sonia Guimarães (Iric/Divulgações)

Cheikh Anta Diop (1923-1986)


Diop foi um estudioso senaglês formado em diversas áreas do conhecimento, como Física, Filosofia, Química, Lingüística, Economia, Sociologia, Historia, Egiptologia, Antropologia e etc. Ele iniciou sua formação no Senegal mas depois se mudou para França para realizar a pós-graduação.


Ele dedicou sua vida estudando o egito pré-colonial e tentado provar através de testes de melanina e pesquisas que o povo egípcios, antes da chegada dos colonizadores, era negro. Além disso, ele também lutava pela independência dos países africanos.


Figura 8 - Cheikh Anta Diop (Wikipedia)
Figura 8 - Cheikh Anta Diop (Wikipedia)




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


[1] AIDAR, Laura. Katherine Johnson – Cientista espacial norte-americana. Disponível em: https://www.ebiografia.com/katherine_johnson/. Acesso em: 5 jan. 2025.


[2] CONHEÇA SONIA GUIMARÃES. Disponível em: https://iric.com.br/conheca/sonia-guimaraes/. Acesso em: 3 jan. 2025.


[3] COSTA JÚNIOR, Henrique. Afroetnomatemática, África e Afrodescendência. Wiki Mocambos. Disponível em: https://wiki.mocambos.net/images/9/93/Afromatematica.pdf. Acesso em: 5 jan. 2025.


[4] LOPES, Larissa. 23 cientistas negros que você precisa conhecer. Revista Galileu. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2018/12/23-cientistas-negros-que-voce-precisa-c onhecer.html. Acesso em: 4 jan. 2025.


[5] NEGRO, Hebreu. Cheikh Anta Diop derrubou o racismo científico ao provar que o Egito Antigo era uma civilização negra. Geledés - Instituto da Mulher Negra. Disponível em: https://www.geledes.org.br/cheikh-anta-diop-derrubou-o-racismo-cientifico-ao-provar-que-o-egit o-antigo-era-uma-civilizacao-negra/. Acesso em: 5 jan. 2025.


[6] Números que contam histórias: cultura afro-brasileira na matemática. Todos Pela Educação. Disponível em: https://todospelaeducacao.org.br/noticias/numeros-que-contam-historias-cultura-afro-brasileira-n a-matematica/. Acesso em: 4 jan. 2025.


[7] SANTOS, Helenilson dos. Jogo Mancala. Núcleo do Conhecimento, 7 jan. 2025. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao-fisica/jogo-mancala. Acesso em: 7 jan. 2025.


[8] SANTOS, Jocelaine. Matemática ou doutrinação? Ideologia identitária substitui a ciência na afromatemática. Gazeta do Povo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/matematica-ou-doutrinacao-ideologia-identit aria-substitui-a-ciencia-na-afromatematica/. Acesso em: 5 jan. 2025.


[9] SANTOS, Marzo Vargas dos; NETO, Vicente Molina. Aprendendo a ser negro: a perspectiva dos estudantes. Cadernos de Pesquisa, 2025. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/psgPDF6m8B6DgmQHjFXFb8D/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 7 jan. 2025.

Posts Relacionados

Ver tudo

Comments


PARA PERMANECER ATUALIZADO, INSCREVA-SE!

© 2023 by Jovens Cientistas Brasil.

bottom of page