
Atualmente, quando pensamos em tecnologia e programação, muitas vezes a imagem que vem à mente é a de um homem, como um jovem programador em frente ao computador. No entanto, a realidade histórica da programação é bem diferente. Curiosamente, essa área, que agora é predominada, majoritariamente, por homens, já foi dominada pelo sexo feminino. Entre as décadas de 1940 a 1960, as mulheres, muitas vezes negras, foram as grandes responsáveis por grande parte do trabalho essencial na criação dos primeiros computadores e nos avanços tecnológicos que definiram a era espacial.
Então, o que aconteceu? Como essa área passou de uma carreira “feminina" para ser vista como um campo tipicamente masculino? Vamos entender essa história de mudança.
O Início: Mulheres na Vanguarda da Computação
A trajetória das mulheres na programação começa muito antes da criação dos computadores como os conhecemos. No século XIX, Ada Lovelace, por exemplo, escreveu o que é amplamente considerado o primeiro algoritmo, projetado para ser processado por uma máquina – a Máquina Analítica de Charles Babbage. Ada foi visionária, percebendo o potencial de uma máquina que pudesse ir além de cálculos matemáticos, tal que na contemporaneidade, ela é reconhecida como a primeira programadora da história.

Figura 2 - Ada Lovelace, principal representante feminina da programação
No século XX, durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres novamente estavam à frente no desenvolvimento tecnológico. Um exemplo marcante são as programadoras do “ENIAC", um dos primeiros computadores eletrônicos.

Figura 3 - mulheres trabalhando na ENIAC
O ENIAC era uma máquina complexa, e programá-lo era um trabalho que exigia habilidades avançadas de matemática e lógica. Jean Bartik, Kay McNulty e outras cinco mulheres foram as responsáveis por desenvolver os primeiros programas para o ENIAC, tornando-se as primeiras programadoras profissionais.
Mulheres Negras na Computação e a Conquista do Espaço
Embora grande parte da história tenha sido silenciada ou subestimada, muitas dessas pioneiras eram mulheres negras. Um dos exemplos mais notáveis vem da NASA, onde matemáticas negras desempenharam um papel fundamental no sucesso do programa espacial dos EUA. Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson foram três das mulheres mais importantes nesse esforço, como retratado no livro e filme "Estrelas Além do Tempo" (Hidden Figures).

Figura 4 - filme “Estrelas além do tempo”
Katherine Johnson foi uma matemática extraordinária que calculou trajetórias para várias missões da NASA, incluindo o voo que levou John Glenn a se tornar o primeiro americano a orbitar a Terra em 1962.
Seu trabalho era essencial porque, naquela época, os computadores eram máquinas novas e nem sempre confiáveis. As verificações manuais de Katherine foram vitais para o sucesso das missões espaciais. Ela desafiou barreiras como de gênero e raça, trabalhando num campo agora, dominado por homens brancos em plena era da segregação racial.
Dorothy Vaughan foi outra mulher negra notável, que começou sua carreira na NASA (na época, NACA) como uma "computadora humana", antes de se tornar a primeira supervisora negra da agência.
Além de sua própria contribuição matemática, Dorothy foi uma das primeiras a dominar a programação de computadores eletrônicos, especialmente a linguagem Fortran, e ajudou a treinar outras mulheres para que também pudessem se adaptar à nova era digital.
Mary Jackson, por sua vez, foi a primeira engenheira negra da NASA. Embora tenha começado como matemática, ela enfrentou a segregação racial ao ter que lutar para frequentar aulas de engenharia em uma escola, o que finalmente lhe permitiu mudar de cargo e continuar sua contribuição para o programa espacial. Jackson se dedicou não só ao avanço tecnológico, mas também a promover a inclusão de mulheres e minorias dentro da NASA.

Figura 5 - Dorothy Vaughan, Mary Jackson e Katherine Johnson, respectivamente
Essas mulheres desempenharam papéis críticos em uma época de profundas divisões raciais e de gênero, superando diversos obstáculos para ajudar a colocar os primeiros americanos no espaço. Suas histórias, embora agora mais conhecidas, ilustram como mulheres – especialmente negras – foram fundamentais na história da computação e da programação, mas que muitas vezes, ficaram nas sombras da história oficial.
Quando a Programação Ganhou Prestígio
Nos anos 1940 e 1950, programar computadores era visto como uma extensão natural do trabalho clerical e administrativo, o que, naquela época, era comumente associado às mulheres. A tarefa de programar, curiosamente, não era considerada tão "importante" quanto como construir o hardware, o que pode explicar por que as mulheres foram tão presentes nessa fase inicial.
No entanto, conforme os computadores se tornaram mais importantes para os negócios e para o governo, o trabalho de programação começou a ganhar destaque e prestígio. Esse reconhecimento acabou atraindo mais homens para a área, especialmente entre os anos 1960 e 1970, quando se percebeu que a programação exigia habilidades técnicas e analíticas avançadas. E assim, a programação passou a ser vista como uma profissão desafiadora, técnica e – na visão de muitos na época – uma ocupação mais "adequada" para os homens.
O Marketing e o Surgimento dos Estereótipos de Gênero
Na década de 1980, com o aumento da compra de computadores para uso pessoal, a situação começou a mudar drasticamente. As empresas de tecnologia começaram a comercializar computadores pessoais principalmente para meninos e homens jovens, o que reforçou a ideia de que a tecnologia e a programação eram áreas masculinas. Esse marketing contribuiu para criar e consolidar estereótipos de gênero em torno da computação.
Paralelamente, as escolas e universidades também começaram a reforçar essa divisão. Cursos de computação, que eram mais equilibrados em termos de gênero até os anos 1970, passaram a ser dominados por homens, enquanto as mulheres foram gradativamente excluídas ou desencorajadas de seguir carreiras em ciência e tecnologia. Esse processo criou a imagem do "programador gênio", geralmente representado como um homem introvertido, obcecado por tecnologia, o que se distanciava da realidade das mulheres que haviam trabalhado na área até então.

Figura 6 - homem programador
As Consequências da Exclusão Feminina
O afastamento das mulheres da programação teve um impacto profundo, uma vez que, não se trata apenas de uma questão de justiça ou igualdade de oportunidades, mas também de inovação e criatividade. Diversos estudos mostram que equipes diversas tendem a ser mais inovadoras, justamente por trazerem diferentes perspectivas para a solução de problemas.
Ao perder a presença feminina na tecnologia, a indústria de computação perdeu uma parte significativa de sua diversidade de pensamento. Isso também ajudou a criar um ambiente de trabalho que muitas vezes é hostil para as mulheres, com casos frequentes de discriminação e desigualdade salarial, o que perpetua o ciclo de exclusão.
A Luta pela Inclusão e o Futuro
Nos últimos anos, têm surgido esforços para reverter essa tendência e promover a inclusão das mulheres na programação e na tecnologia. Organizações como a Anita Borg, que organiza o evento Grace Hopper Celebration, e o movimento Girls Who Code, que incentiva meninas a aprenderem a programar, são exemplos dessas iniciativas.
Além disso, há uma nova geração de mulheres que está reocupando espaços de liderança na tecnologia. Pessoas como Sheryl Sandberg, COO do Facebook, e Reshma Saujani, fundadora do Girls Who Code, são exemplos de mulheres que estão desafiando os estereótipos e inspirando outras a seguir carreira na tecnologia.
A realidade, porém, é que a luta pela igualdade de gênero na programação e na tecnologia está longe de ser concluída. Embora tenha havido progresso, os números mostram que a proporção de mulheres na área ainda é baixa. A mudança precisa começar desde cedo, nas escolas e em casa, com o incentivo para que meninas se interessem por tecnologia e programação.
Conclusão
A história das mulheres na programação, especialmente das mulheres negras, como Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson, é uma prova de que a tecnologia sempre foi – e ainda pode ser – uma área para todos, independentemente de gênero ou raça. Embora o campo tenha mudado ao longo das décadas, com as mulheres sendo marginalizadas e até esquecidas em alguns momentos, há um movimento crescente para restaurar o equilíbrio e garantir que as futuras gerações de programadoras possam ocupar seus espaços.
Aprender com o passado é essencial para construir um futuro mais inclusivo. E a programação, assim como qualquer área da tecnologia, tem tudo a ganhar com a diversidade, pois ela é a chave para a verdadeira inovação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Shetterly, M. L. Hidden Figures: The American Dream and the Untold Story of the Black Women Who Helped Win the Space Race. HarperCollins, 2016.
[2] Light, J. S. "When Computers Were Women." Technology and Culture, vol. 40, no. 3, 1999, pp. 455–483.
[3] "Women in Computing." Wikipedia, Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Women_in_computing.
[4] "History of Women in Information Technology: 6 Female Computer Science Pioneers." Purdue Global, Disponível em: https://www.purdueglobal.edu/blog/information-technology/history-women-information-technology-6-female-computer-science-pioneers/.
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