A partir do momento em que se descobriu o DNA como um pilar da hereditariedade, fazer mudanças específicas no genoma humano se tornou um objetivo entre os cientistas e pesquisadores. Com o avanço das pesquisas sobre tal prática, surgiu a terapia gênica.
A terapia gênica é um método que se baseia na introdução de genes saudáveis, utilizando a técnica de DNA recombinante. É importante acrescentar, porém, que esta terapia tem múltiplas modalidades, porque as doenças têm diferentes níveis de complexidade. Dentre elas, vale citar primeiramente a “modificação direta do gene causador da doença”, que é direcionada para o tratamento de doenças hereditárias monogênicas, como a hemofilia. Ademais, há o “tratamento indireto da patologia através da modulação gênica”, que é para doenças complexas/multifatoriais/adquiridas, tal como a AIDS. Por fim, existe a “imunoterapia por modulação gênica (vacinas de DNA)”, modalidade usada para o tratamento de microrganismos ou células patogênicas, por exemplo, o câncer.
Para a introdução de um gene no corpo humano, deve-se haver um vetor, ou seja, um veículo que favoreça a entrada do DNA na célula. Há três principais categorias de vetores, cujo estudo está em desenvolvimento: plasmídeos, vetores virais e vetores nanoestruturados. A primeira diz respeito a uma pequena sequência de DNA, mas com a desvantagem que sua introdução demanda a fragilização da membrana celular. A segunda se refere a um microorganismo especializado em invadir células e introduzir um material genético. Esses vírus são modificados tirando o seu gene patogênico. A terceira são polímeros que têm capacidade de prender um gene e liberar quando necessário.
Figura 1: ilustração de plasmídeo, vírus e nanoestruturado, respectivamente (da esquerda para a direita)
O primeiro caso com um resultado favorável de tratamento utilizando a terapia gênica ocorreu nos Estados Unidos. Em 1989, uma menina de quatros anos começou a ser tratada. Ela sofria de uma doença genética que ocasionava deficiência da enzima adenosina desaminase (ADA), essencial para o desenvolvimento do sistema imune. Logo, sofria da síndrome de imunodeficiência combinada severa (conhecida como SCID-ADA). É válido pontuar que crianças que sofrem com essa síndrome são conhecidas como “crianças da bolha”, pois é necessário que a pessoa fique isolada, o que acontece com o auxílio de uma bolha plástica de material transparente. No tratamento, os cientistas coletaram os glóbulos brancos do sangue da garota, chamada Ashanti de Silva, inseriram o gene da ADA nesses glóbulos e induziram a proliferação dessas células em laboratório. Por conseguinte, devolveram as células modificadas para o sangue da paciente. Após dois anos de terapia, Ashanti precisou administrar doses baixas de ADA, deixou de ser uma pessoa que não podia sair de casa e que sempre estava doente.
Hodiernamente, a referida terapia é utilizada para tratar algumas doenças genéticas. A hemofilia é um exemplo de doença genética e hereditária que dificulta a coagulação sanguínea devido a deficiência de um dos dois fatores que permite que o sangue coagule: o fator VIII ou o fator IX. Para tratar essa condição, introduz-se um gene normal de um desses fatores em uma célula alvo do paciente, através de um vetor viral modificado: um vírus adeno-associado. Portanto, a terapia genética já é utilizada em alguns casos específicos, e a tendência é tratar diversas outras doenças ou condições.
Além disso, esse tratamento está sendo utilizado contra a neoplasia maligna. Em 2020, quase 10 milhões de mortes foram atribuídas ao câncer, considerado a principal causa de morte no mundo em tal período. Esse quadro é bastante alarmante, mas pode ser revertido, à medida que os estudos sobre a terapia gênica avançam, tornando-a um tratamento mais seguro e acessível às diversas camadas sociais.
No ano de 2017, o FDA (Federal Drug Administration) aprovou a terapia CAR-T cell, primeira terapia que combate ao câncer. Durante esse tratamento, são retiradas células de defesa do doente. Essas células são modificadas geneticamente, de modo a atacar as células do tumor assim que injetadas no paciente. Atualmente, essa terapia é aprovada para tratar a leucemia linfoblástica aguda e alguns subtipos de linfoma.
No Brasil, em agosto de 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a adoção da terapia gênica para o tratamento das Doenças Hereditárias da Retina (DHR). Posteriormente, a Anvisa aprovou essa técnica para tratar pacientes com Atrofia Muscular Espinhal (AME). E, finalmente, em fevereiro de 2022, foi permitido o uso dessa técnica para tratar quadros de câncer, adotando as células CAR-T.
Hoje, existem seis medicamentos usados para a terapia genética no país. Entretanto, seu custo elevado dificulta o acesso pela população geral. Por isso, espera-se que haja um maior investimento nas pesquisas nessa área, visando à evolução na Medicina e à acessibilidade para toda a população.
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