O mercado dos alimentos orgânicos se encontra numa crescente expansão global, conforme pode ser visto por dados do FiBL (Instituto de Pesquisa da Agricultura Orgânica) no relatório anual de 2024 “The World of Organic Agriculture - Statistics and Emerging Trends 2024” (O Mundo da Agricultura Orgânica - Estatísticas e Tendências 2024, para os valores relativos ao mercado orgânico: 15,1 bilhões de euros em 2000 e 134,8 bilhões em 2022. O Brasil, inclusive, representa o maior mercado de produtos orgânicos da América Latina, na qual a Argentina também ganha destaque como terceiro país do mundo com maior área destinada à agricultura orgânica (4,1 milhões de hectares).
Embora conceitualmente incorreto dado que todos os consumíveis apresentam moléculas orgânicas, os alimentos são normalmente categorizados como “orgânicos” devido à ausência de produtos químicos sintéticos como pesticidas, antibióticos e conservantes. Assim, frequentemente, a busca por consumíveis orgânicos se baseia no interesse na obtenção de produtos vistos como mais saudáveis, com menos danos à saúde do comprador em comparação aos outros alimentos não orgânicos. A fim de identificar os produtos nos supermercados, mercados e lojas, no Brasil, há o selo “Produto Orgânico Brasil” na embalagem para fornecer ao consumidor a garantia do Ministério da Agricultura e Pecuária da origem agropecuária numa produção orgânica ou extrativista sustentável e sem dano ao ecossistema local do item a ser vendido.
![Figura 1: Selo Produto Orgânico Brasil [7]](https://static.wixstatic.com/media/1b23c9_4c154b0c551b4936b692e8e0c7daf3ff~mv2.png/v1/fill/w_591,h_306,al_c,q_85,enc_auto/1b23c9_4c154b0c551b4936b692e8e0c7daf3ff~mv2.png)
No caso, o risco representado por uma substância química ao organismo humano a curto prazo costuma ser determinado pela exposição de animais de teste (camundongos ou ratos, em geral) a quantidades consideravelmente maiores do que uma pessoa regularmente consumiria para acelerar o processo e um subsequente acompanhamento das espécimes. Por fim, os dados são combinados em um único número: a dose letal mediana DL50, isto é, a quantidade letal de substância em mg por kg de massa corporal para 50% dos animais de ensaio. A partir do valor obtido, classifica-se a toxicidade do composto, cada qual com sua respectiva cor para atentar à perigosidade.
![Figura 2: Classificação toxicológica dos agrotóxicos, da Cunha [3]](https://static.wixstatic.com/media/1b23c9_7ca251c03d8e4bb6aa8ae381d772cc25~mv2.png/v1/fill/w_980,h_198,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/1b23c9_7ca251c03d8e4bb6aa8ae381d772cc25~mv2.png)
Realmente, muitas das substâncias utilizadas na agricultura comum apresentam danos comprovados à saúde humana, a exemplo da atrazina, herbicida sintético utilizado para o controle de ervas gramíneas daninhas e folhagens em lavouras que é considerado o segundo herbicida mais usado nos Estados Unidos, potência mundial cuja indústria alimentícia é marcada pela divisão do país em cinturões agrícolas focados em produtos específicos utilizando tecnologia de ponta, sendo um agente imprescindível no cenário global.
![Figura 3: Fórmula estrutural da atrazina, Canevaroli et al. [4]](https://static.wixstatic.com/media/1b23c9_eafbe9d7b2e0408995cb3de2df0c1144~mv2.png/v1/fill/w_878,h_398,al_c,q_85,enc_auto/1b23c9_eafbe9d7b2e0408995cb3de2df0c1144~mv2.png)
Embora já proibida em outras regiões dado seus efeitos negativos de aumento da propensão ao câncer, alta toxicidade à vida selvagem etc., além de contar com mais de 20 anos de restrição na Europa, a atrazina não foi banida nos Estados Unidos. Portanto, apesar dos claros danos à saúde humana e ao meio ambiente, com especial risco na contaminação de reservatórios de água, caso de preocupação tanto americana quanto brasileira, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) opta por não impedir o uso do herbicida, refletindo o dilema inerente ao uso de produtos químicos sintéticos. Seria a maior produtividade obtida pelo uso de perigosos compostos em prol do maior suprimento de alimentos à população, bem como do lucro gerado tendo o pensamento liberal em vista, compensatória aos danos biológicos e ambientais causados.
Por um lado, a inexistência de pesticidas e outras substâncias similares levaria a uma queda significativa no preço dos alimentos e, consequentemente, à fome mundial. Na história, é clara a importância do suprimento da demanda de consumíveis através de catastróficos períodos de insegurança alimentar elevada, como posteriormente ao alto crescimento populacional europeu nos séculos finais da Idade Média e, mais recentemente, na Grande Fome Chinesa (1958-1961). Somente no último evento, aproximadamente 30 milhões de vidas foram perdidas.
Ainda, atualmente, a insegurança alimentar representa um problema grave no mundo e, como pode ser visto por dados do relatório “The State of Food Insecurity and Nutrition in the World (SOFI) Report - 2024” (O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2024,) da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), um grande número de pessoas não conseguem sustentar uma dieta saudável com sua renda. A exemplo, cerca de 113,6 milhões de sul americanos (25,3% da população da América Latina) e, mais especificamente, 54,4 milhões de brasileiros (25,3% do total de pessoas do Brasil) se encontram na pesarosa faixa de incapacidade de manter uma alimentação.
Em vista da realidade apresentada, estabelece-se a importância do uso de produtos químicos sintéticos, cruciais para a indústria alimentícia que os utilizam massivamente. Afinal, os pesticidas, conservantes e outras técnicas são inovações tecnológicas responsáveis por aumentar a produtividade dos centros de produção agrícola, compondo, portanto, o motivo pelo qual a famosa teoria de Malthus, estabelecida pelo britânico Thomas Malthus (1766-1834), veio a ser uma previsão errônea. Após coletar dados quanto à produção de alimentos e o crescimento populacional no período da Primeira Revolução Industrial, o economista chegou a conclusão demográfica que enquanto a população cresce a uma progressão aritmética, a expansão da atividade agrícola e da venda de seus produtos se dá por uma progressão geométrica. Na prática, para visualização em termos não matemáticos, a ideia pode ser representada pelo seguinte gráfico.
![Figura 4: Teoria malthusiana no crescimento da população e recursos ao longo do tempo [11]](https://static.wixstatic.com/media/1b23c9_c004fef562f242eab890746ad4a8ea89~mv2.png/v1/fill/w_884,h_533,al_c,q_90,enc_auto/1b23c9_c004fef562f242eab890746ad4a8ea89~mv2.png)
Entretanto, embora Malthus tivesse previsto uma espécie de colapso mundial, a segunda revolução industrial logo chegou e a humanidade continuou a persistir sem um momento de crise como acreditava-se. Afinal, embora a população estivesse crescendo consideravelmente no período, ao mesmo tempo desenvolviam-se novas tecnologias que tornavam o processo de plantio, coleta, separação, transporte e oferta de alimentos cada vez mais eficaz, incluindo o papel desempenhado por produtos químicos sintéticos.
Outrossim, pode-se pensar positivamente a respeito desses produtos pela lógica liberal defendida por Adam Smith (1723-1790). Segundo as ideias apresentadas pelo pai do capitalismo, pode-se pensar que o desenvolvimento de produtos químicos sintéticos faz parte da dinâmica de livre concorrência entre as diferentes empresas responsáveis por cada parte da produção num equilíbrio responsável por levar ao bem-estar social. Sucintamente, seria gerado um crescimento econômico ao mesmo tempo que a vida dos indivíduos melhoram.
Por outro lado, segundo a revisão científica de pesquisadores do canal “Kurzgesagt - In a nutshell”, a noção de alimentos orgânicos como consumíveis mais saudáveis não apresenta um posicionamento científico uniforme. Na realidade, diversos estudos já apontaram para diferenças mínimas na saúde de indivíduos consumindo alimentos considerados orgânicos em comparação aos não orgânicos. Não só isso aponta para um outro ponto de vista, mas também a percepção de que produtores orgânicos podem fazer uso de pesticidas orgânicos cujos riscos à saúde humana chegam a rivalizar com aqueles provocados por pesticidas comuns. Também, mesmo levando em conta o maior risco de pesticidas não orgânicos, as áreas destinadas à agricultura orgânica são maiores, reduzindo o espaço disponível à preservação do meio ambiente.
Não obstante, o argumento central de aumento necessário da produtividade agrícola para combater a fome a favor do uso de compostos químicos na agricultura também pode ser posto em dúvida considerando as grandes taxas de desperdícios de comida na modernidade. Conforme o UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) Food and Waste Report 2024 (UNEP Reporte de Alimento e Desperdício 2024, cerca de 1 quinto do total de alimentos produzidos mundialmente é desperdiçado, sendo 1 milhão de refeições por dia, quase 1 trilhão de dólares de custo associados e, ainda, uma significativa liberação de parcela de gases do efeito estufa (GEE), contando como de 10% das emissões totais no globo.
Através de uma distribuição mundial eficaz de alimentos para todas as faixas socioeconômicas, a produção atual de alimentos é suficiente para atender a demanda nutricional da sociedade global. Então, por mais que a população esteja crescendo, é de se esperar que haja espaço para o desenvolvimento de métodos agrícolas melhores para a saúde humana e capazes de erradicar as viabilidades correntes na agricultura orgânica.
Em suma, a questão dos alimentos orgânicos e a magnitude de benefícios que proporcionam à humanidade é permeada por posicionamentos distintos e até diametralmente opostos. Por fim, promovendo-se o segundo ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) da ONU da Fome e Agricultura Sustentável, a questão crucial reside na necessidade de uma alimentação mais nutritiva e saudável, sem riscos à saúde humana ou ao meio ambiente, seja ela composta por alimentos orgânicos ou comuns.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[3] DA CUNHA, Kelly. Conceitos Básicos de Toxicologia. Centro de Controle de Intoxicações de Campinas - CCI. Disponível em: https://www.iqm.unicamp.br/arquivos/toxico_quimica.pdf. Acesso em 03 Jan. 2025
[4] CANEVAROLI, Miriam et al. Portal Tratamento de Água, 2021. Remoção de herbicida atrazina por meio de filtros de carvão ativado granular associados com microrganismos no tratamento de água para abastecimento. Disponível em: https://tratamentodeagua.com.br/artigo/remocao-herbicida-atrazina-filtros-carvao-ativado-granular/. Acesso em 03 Jan. 2025
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[7] Manual de Aplicação do Selo Oficial para Produtos Orgânicos. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2009. Disponível em: https://biodinamica.org.br/pdf/Manual%20selo%20SisOrg.pdf. Acesso em 04 Jan. 2025
[8] 118th Congress 1st Session. To prohibit the use, production, sale, importation, or exportation of any pesticide containing atrazine. Disponível em: https://nadler.house.gov/news/documentsingle.aspx?DocumentID=396240. Acesso em 04 Jan. 2025
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[10] FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. 2024. The State of Food Security and Nutrition in the World 2024 – Financing to end hunger, food insecurity and malnutrition in all its forms. Rome. Disponível em: https://doi.org/10.4060/cd1254en. Acesso em 05 Jan. 2025
[11] Dicionário Financeiro. Teoria Malthusiana. Disponível em: https://www.dicionariofinanceiro.com/teoria-malthusiana/. Acesso em 05 Jan. 2025
[12] Kurzgesagt - In a nutshell. Comida orgânica é realmente melhor para você? Comida saudável ou fraude da moda?. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8PmM6SUn7Es&list=PLnOBkU21LBYXFAjULXewDliOsj9ifxN6f&index=4. Acesso em 05 Jan. 2025
[13] United Nations Environment Programme (2024). Food Waste Index Report 2024. Think Eat Save: Tracking Progress to Halve Global Food Waste. Disponível em: https://wedocs.unep.org/20.500.11822/45230. Acesso em 05 Jan. 2025
[14] BERNERS-LEE, Mike et al. Current global food production is sufficient to meet human nutritional needs in 2050 provided there is radical societal adaptation. Elem Sci Anth, v. 6, p. 52, 2018. Disponível em: https://online.ucpress.edu/elementa/article/doi/10.1525/elementa.310/112838/Current-global-food-production-is-sufficient-to. Acesso em 05 Jan. 2024
[15] Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 2. Fome Zero e Agricultura Sustentável. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods2.html. Acesso em 05 Jan. 2024
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