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Foto do escritorBeatriz Noia Meira do Nascimento

O escalonamento da Crise de Estupro: a banalização e normalização da cultura de estupro

Atualmente, o estupro é um dos crimes mais comuns e silenciosos no mundo. Estima-se que em 2021 [1], a cada 10 minutos uma mulher foi estuprada, e que apenas 10% delas notificaram o crime [2]. Esses números absurdos são resultado de diversos eventos criados pelo fenômeno denominado cultura de estupro


Segundo a filósofa Renata Floriano de Sousa [3] , cultura de estupro é “o conjunto de violências simbólicas que viabilizam a legitimação, a tolerância e o estímulo à violação sexual”. Em outras palavras, é a série de ações do cotidiano que normalizam a agressividade contra as mulheres.


Essa cultura incentiva a submissão e silenciamento das vítimas desses abusos, causando a perda da oportunidade de educar a sociedade sobre a questão e ensinando esta a tolerar ações como: humilhação e vexação das vítimas; normalização da agressividade contra as mulheres; falta de tolerância e a frustração masculina. Desta forma, ocorre uma banalização do ato grave, violento e repugnante que é o estupro.


Em São Paulo, entre os meses de janeiro e outubro de 2019, foram relatados 77 casos de feminicídios, 370 estupros consumados, 25 tentativas e 350 estupros de vulneráveis, sem contar os mais de 40 mil casos de lesões corporais contra mulheres. [4]


O mais chocante fato é que as vítimas não são apenas as jovens mulheres, mas também, em sua esmagadora maioria (precisamente 70%), crianças e adolescentes com menos de 13 anos de idade [5].


Dessa forma, os dados expostos evidenciam a gravidade da situação e a urgente necessidade de discussões sobre a cultura de estupro.



Analisando os dados históricos, é possível rastrear a origem do termo “cultura de estupro” ao início dos anos 70, na segunda onda feminista. Um grupo de ativistas norte-americanas chamaram atenção para a constante naturalização das atitudes de estupradores, nomeando a perpetuação de padrões sociais que banalizavam e normalizavam a violência sexual contra as mulheres de “Cultura de estupro”[6].

Segundo o filósofo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), o homem aprende a lógica de dominação masculina, a mulher absorve essa relação e a sociedade legitima e naturaliza esse comportamento por meio de repetições. Em suma, o processo socializador beneficia a cultura de estupro, pois todos aprendem instintivamente a agir de tal forma através das instituições socializadoras (escola, família, trabalho). Além disso, identidade social é construída pela sociedade, que é patriarcal, o que também acaba beneficiando a perpetuação da cultura de estupro. Portanto, quanto mais patriarcal for a sociedade, mais a cultura de estupro será perpetuada.

Pode-se parear a opinião do filósofo sobre a cultura de estupro com a da feminista estado-unidense Susan Brownmiller (1935), que diz: “o estupro é um mecanismo de controle historicamente difundido, mas amplamente ignorado, mantido por instituições patriarcais e relações sociais que reforçam a dominação masculina e a subjugação feminina” . É evidente que seu discurso reforça a ideia trazida por Bourdieu. A cultura de estupro é um legado histórico humano que causa e é causada pela reduçaõ do sexo à conquista masculina e à aprovação de outros homens, pois só existe valor onde há aprovação masculina.


Essa maneira de pensar também cria uma noção que a mulher sofre a ação do sexo, ou seja, que o ato sexual é algo feito à mulher, e não com ela. Esse raciocínio doentio é constantemente perpetuado pela mídia. Isso é visível em: filmes em que a mulher é inicialmente relutante ao homem, mas com o tempo se apaixona por sua insistência; propagandas de homens agressivamente segurando mulheres, que vendem a ideia de virilidade e masculinidade e, um fator impossível de não se mencionar, a indústria pornografica, em que a relutância feminina é usada como categoria, sendo monetizada e normalizada. Todos esses veículos de transmissão e garantem a estabilização da cultura de estupro, já que expõem essa como “normal e aceitável”.




Vemos retratos de violência contra mulheres desde os tempos antigos. Na mitologia grega, temos os mitos de Medusa [7] e Europa [8], que são os dois mais famosos casos de estupro e culpabilização da vítima na cultura da Grécia antiga. Em ambos os casos, as vítimas foram enganadas e violadas pelos deuses Poseidon e Zeus, respectivamente e, em seguida foram responsabilizadas e punidas. Essas histórias mostram que desde aquela época, essa violência e o silenciamento das vítimas eram normalizados. Como se não bastasse a violência já sofrida pelas mulheres, elas foram, subsequentemente, crucificadas socialmente e censuradas.




Já no Brasil, o estupro é definido como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena para tal ato é de 6 a 10 anos na cadeia. [9] Apesar disso, dados do jornal Metrópole expõem que apenas 1% dos casos de estupro acabam na punição do agressor, número que soa absurdo, mas é a triste realidade brasileira. [10]


Diariamente, as mulheres têm que viver com o constante medo e ameaça de serem estupradas. Aproximadamente 85% das brasileiras temem ser abusadas sexualmente.


Os números aumentam ainda mais em regiões mais pobres, mostrando que o problema do estupro é muito mais complexo do que o imaginado. Este envolve, além do machismo, o racismo, problemas sociais e econômicos, abuso de poder, entre diversos outros fatores. Ou seja, é um tema extremamente complexo e delicado, e não é um assunto “de mulher”, já que afeta a sociedade como um todo.




De acordo com o filósofo alemão Friedrich Engels (1820-1895), “a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo; a mulher foi degradada, transformada em serva, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução” [11]. Ou seja, a cultura de estupro é o resultado de centenas de anos durante os quais foram difundidas a submissão e conformação das mulheres.


É necessário, especialmente com o aumento preocupante do número de estupros, a proteção e acolhimento das vítimas e a prevenção de futuros casos. Isso deve ser feito não só ensinando as meninas a se protegerem, o que infelizmente ainda é imperativo, mas principalmente não perpetuando o ciclo tóxico e machista da cultura de estupro futuramente.



Fontes:













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